Relação de causalidade
Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.


Superveniência de causa independente
§ 1º- A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.


Relevância da omissão
§ 2º – A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

O nexo causal é um elemento comum a toda forma de responsabilidade e nada mais é do que o liame lógico-jurídico (a ligação) existente entre uma conduta e resultado, permitindo a dedução da existência de uma relação de causa e efeito. No dizer do Código, causa é a conduta sem a qual o resultado não teria ocorrido.

A doutrina clássica já indicava teorias relacionadas com a causalidade (HUNGRIA; FRAGOSO, 1978). Algumas podem ser apontadas:

  • Teoria da equivalência dos antecedentes ou da “conditio sine qua non” (Von Buri): é causa todo fato cuja hipotética inexistência (juízo hipotético de eliminação) teria impedido o resultado.
  • Teoria da causalidade adequada (Von Kries, Von Bar): é causa todo evento anterior que, adequadamente, estatisticamente, seja razoável meio de produção do resultado.
  • Teoria da eficiência (Birkmeyer, Stoppato): é causa aquele evento mais eficaz à produção do resultado.
  • Teoria da causa próxima (influência de Bacon): a causa imediata, que seria a efetiva causa do crime, não se confunde com a condição (causa remota).

O Código brasileiro adota a teoria da equivalência dos antecedentes de Von Buri, mas, para evitar uma regressão ao infinito, veremos que a causalidade é delimitada pelo elemento subjetivo do agente (dolo ou culpa), pois, pela simples leitura do Código, poder-se-ia pensar, por exemplo, que o inventor ou vendedor da arma de fogo seriam responsáveis pelo disparo criminoso.

O chamado juízo hipotético de eliminação é um processo abstrato simples: diante de um resultado conhecido, a pessoa pode mentalmente excluir hipoteticamente eventos anteriores ao resultado. Se a exclusão desses eventos evitar o resultado, é possível argumentar que estes eventos são causas.

Mas a causalidade física não é, nem podia ser o único pressuposto da punibilidade; acha-se esta, igualmente, subordinada à culpabilidade do agente. Após a averiguação de um evento penalmente típico na sua objetividade, tem-se de apurar, não somente se foi causado por alguém, mas, também, se o agente procedeu dolosa ou culposamente.

hungria; FRAGOSO, 1978, p. 66.

Como se percebe, várias causas podem concorrer para o evento danoso. O nexo causal concorrente usualmente denomina-se concausa. Estas podem se manifestar em qualquer momento da cronologia criminosa:

  • Concausas preexistentes: são condições ou circunstâncias anteriores à conduta criminosa.
  • Concausas concomitantes: são condições ou circunstâncias que ocorrem ao mesmo tempo da conduta criminosa.
  • Concausas supervenientes: são as condições ou circunstâncias posteriores à conduta.

Estas concausas podem ser absolutamente independentes, produzindo o resultado de forma autônoma. Nestas situações, a conduta concorrente do agente é irrelevante para o resultado final, que não poderá ser imputado como tal (usualmente a imputação remanescente se dá como tentativa).

Um caso clássico de concausa preexistente absolutamente independente é mencionado pela doutrina:

MARIA, por volta das 20h, serve, insidiosamente, veneno para JOÃO, seu marido. Uma hora depois, JOÃO é atingido por um disparo efetuado por ANTONIO, seu desafeto. Socorrida, a vítima morre na madrugada do dia seguinte em razão dos
efeitos do veneno. A pessoa que envenenou responde pelo homicídio consumado, sem dúvida. Já o atirador não foi causa do resultado. Eliminando-se seu comportamento, a vítima morreria envenenada do mesmo modo. Deve responder por tentativa de homicídio.

Cunha, 2016, P. 235.

Situação mais complexa diz respeito às concausas relativamente independentes, que colaboram direta ou indiretamente para o atingimento do resultado, mas não o geram de forma independente. Nessas situações, o agente usualmente responde na medida de seu dolo ou culpa, também dependendo de sua ciência sobre as concausas.

Um exemplo clássico de concausa preexistente relativamente independente é o fato de a vítima ser hemofílica (condição que dificulta coagulação e facilita hemorragias). Se o agente desfere um ataque aparentemente não letal, lesionando a vítima, é possível que esta venha a óbito. A responsabilização nesse caso é disputada na doutrina. Para Cunha (2016), já que existia “animus necandi” (dolo de matar), o agente responde pela consumação, mesmo que seu ataque não fosse o suficiente sem a condição preexistente.

A doutrina exemplifica uma concausa concomitante relativamente independente na hipótese de a vítima, ao ouvir o disparo de seu algoz, ter um ataque cardíaco e morrer.

A hipótese trazida no primeiro parágrafo do dispositivo, entretanto, volta-se especialmente à concausa superveniente relativamente independente:

Superveniência de causa independente
§ 1º- A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

Essa disposição é alvo de debate doutrinário, mas geralmente é associada à situação de quebra superveniente do nexo causal iniciado pelo agente com sua conduta inicial. Ou seja, é um evento superveniente à conduta criminosa, com existência dependente dessa conduta inicial, mas que foge do típico e normal desenrolar dos eventos desencadeados pelo primeiro nexo causal. Esta causa superveniente, ademais, acaba por produzir por si só o resultado danoso.

O exemplo mais que clássico disso é o da ambulância que, levando a pessoa lesionada previamente, vem a envolver-se em acidente de trânsito no qual morre a vítima. Há uma ruptura do nexo causal entre a lesão inicial e a circunstância que vitimou fatalmente a vítima. De fato há uma relação entre o nexo inicial (lesão) e o resultado (morte em acidente), pois a vítima não estaria na ambulância sem a facada, e, consequentemente, não teria morrido daquela forma. Isso torna a causa superveniente relativamente independente, apesar de esta causa superveniente produzir por si só o resultado.

Assim, o agente não responde pelo resultado ocorrido de forma incomum, mas responde pela conduta praticada a depender de seu elemento volitivo: lesão corporal consumada, tentativa de homicídio etc.

Afirma-se que, neste caso, o Código Penal adotou a teoria da causalidade adequada de Von Kries, pois há análise da adequação da conduta criminosa perante o resultado obtido (se o resultado é um desdobramento normal e previsível da conduta).

Relevância da omissão
§ 2º- A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

O parágrafo seguinte trata da causalidade decorrente da omissão.

A conduta criminosa pode ser comissiva (ação) ou omissiva. Neste caso, surgem questionamentos sobre a lógica por trás da imputação de nexo causal entre uma omissão e um resultado, mas o Código Penal admite tal possibilidade, afugentando uma noção meramente naturalística. O nexo causal é, afinal, um construto jurídico.

No caso da omissão, a responsabilidade pode decorrer do desrespeito ao comando geral de ação (“o omitente devia e podia agir para evitar o resultado“) ou nas demais hipóteses trazidas na lei:

  • tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
  • de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
  • com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

É importante observar que os crimes omissivos podem ser:

  • próprios: quando consistem no simples desobedecer de um mandamento geral, como na omissão de socorro, pois todos tem o dever de agir nesta circunstância.
  • impróprio ou comissivo por omissão: são os casos que certa qualidade do agente (ex: bombeiro, salva-vidas) ou ato anteriormente praticado (o agente criou o risco) tornam-no obrigado a agir para evitar o resultado, sob pena de responder pelo mesmo, e não pelo mero crime de omissão.

Referências

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. Salvador: JusPODIVM, 2016.
HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.