Estado de necessidade
Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
§ 1º – Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
§ 2º – Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

O estado de necessidade é a primeira causa excludente de ilicitude prevista no rol legal de causas justificantes. É uma circunstânci que, se adimplida, torna lícita a conduta do agente, não subsistindo crime ou punição.

O agente que age albergado pela referida hipótese excludente de antijuridicidade usualmente vê-se em uma situação de necessidade em que lhe é permitido sacrificar ou preterir o bem jurídico alheio na busca de preservar bem jurídico próprio ou de terceiro, quando o sacrifício destes não é razoável para as circunstâncias.

Um exemplo clássico envolve um incêndio em um local fechado onde há um grande aglomerado de pessoas. Diante do risco atual à integridade física de cada um, a violenta corrida para a saída de emergência pode envolver a promoção de atos típicos pelos indivíduos desesperados, notadamente lesões corporais.

Os elementos do estado de necessidade são os seguintes:

  • Um direito ou bem jurídico próprio ou de terceiro: a atuação do agente deve se direcionar ao salvamento do direito próprio ou de terceiro. O indivíduo pode agir para proteger a vida, a integridade física, a propriedade etc.;
  • Inexigibilidade do sacrifício do bem: nas condições concretas, não deve ser razoável o sacrifício do bem jurídico ameaçado;

Por exemplo, se o indivíduo em um naufrágio se apossa de um bote para duas pessoas e, por trazer consigo seu cachorro, pretere a entrada de um segundo indivíduo no bote, estará assumindo um sacrifício desproporcional e desarrazoado, tendo em vista que o sacrifício do bem salvado neste caso seria exigível.

  • A existência de um perigo atual contra esse direito: este bem jurídico deve estar sob perigo atual, presente, concreto, que pode ter sido originado por ação humana ou não. Não se admite um perigo remoto ou cogitável;
  • A externalidade e inevitabilidade desse perigo: esse perigo é externo, não podendo ter sido provocado pelo agente, e deve ser inevitável. Se houver oportunidade de evitar o dano sem sacrificar direito alheio, tal postura é exigida do agente. Dessa forma, a fuga, se cabível, é obrigatória.

O estado de necessidade ainda é classificado em:

  • Estado de necessidade defensivo: o ato do agente sacrifica direito de quem produziu ou contribui para o perigo instaurado.
  • Estado de necessidade agressivo: o ato do agente se volta contra bem ou direito de um inocente do evento.

No Código Penal, o estado de necessidade envolve o sacrifício razoável de um bem. Essa noção tem por trás a comparação entre o bem jurídico protegido e o bem jurídico sacrificado. Nessa comparação, para que a causa de justificação seja adimplinda, o bem jurídico protegido deve ser de igual ou maior importância do que aquele sacrificado.

Se o bem jurídico sacrificado for de maior importância do que aquele efetivamente protegido (como no caso em que se pretere a vida de um terceiro em prol da defesa de um bem patrimonial), o agente será beneficiado com uma redução de sua pena de um a dois terços (1/3 a 2/3). Trata-se de uma causa de diminuição (terceira fase da dosimetria). Não incide propriamente a causa excludente.

[…] a descriminante só deixará de existir se o bem ou interesse posto a salvo, em comparação com o que foi sacrificado, representa, manifestamente, um minus. A avaliação deve ser feita do ponto de vista objetivo, mas sem total abstração do prisma subjetivo. […] Igualmente, não se pode abstrair o estado de ânimo do agente, cujo abalo está na proporção da entidade e instância do perigo. O ponto de referência, também aqui, é o tipo do homem comum ou normal.

hungria; fragoso, 1978, p. 278.

É interessante observar, a título de complemento, que o Código Penal Militar admite também um estado de necessidade exculpante (que exclui a culpabilidade) na hipótese de o bem sacrificado for de valor superior ao protegido e não for exigível conduta diversa:

Estado de necessidade, com excludente de culpabilidade
Art. 39. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoàvelmente exigível conduta diversa.

Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/69)

Também é possível cogitar a situação de o indivíduo imaginar uma situação de estado de necessidade inexistente:

No estado de necessidade putativo, o agente equivoca-se sobre o mundo fático e pensa estar diante de um perigo atual que ameaça bem jurídico próprio ou de outrem. Trata-se de um erro de tipo que se enquadra nas hipóteses de descriminantes putativas. Se o erro for justificável, não há punição, mas se o erro for injustificável, responderá por culpa o agente, caso o tipo tenha modalidade culposa.

Por fim, aqueles que têm o dever legal de enfrentar o perigo (bombeiros, salva-vidas etc.) não podem suscitar o estado de necessidade.

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.